domingo, 29 de agosto de 2010

Frase, aroma e lembranças.

"Vamos buscar o significado de ter nascido e a alegria de viver".
Em meio ao forte aroma de incenso e o ritual do jovem monge dentro do templo budista, não consegui desviar meu olhar desta frase estampado na parede lateral. Na outra parede a mesma frase escrita em língua japonesa.
Onde estaria o mapa do tesouro?
Imaginei um baú antigo de tesouro e dentro um velho pergaminho com o mapa que nos levaria ao lugar
onde estaria enterrado um livro com o nome de cada ser humano indicando o real motivo individual de termos nascido.
Estávamos reunidos em memória do meu tio que partira há um ano atrás após muito sofrimento.
Fechei os olhos e me recordei dos melhores momentos que passamos juntos na minha infância.
Todas as tardes de domingo ele vinha nos visitar e assistíamos ao programa "Jovem Guarda" na televisão, comandado pelo trio Roberto Carlos, Erasmos Carlos e Vanderléia. Éramos crianças mas o que eu adorava era este programa dominical com lanche, refrigerante e música juntamente com meus tios.
Os carnavais que ele nos levava de "fusca" para ver o movimento da cidade e o gosto do "bijú" que ele nos comprava nos faróis. Tempos que não havia perigo trafegar com a janela do carro aberta e ainda comprar doces no intervalo dos faróis da cidade. Ontem encontrei bijú numa loja de doces e saudosa comprei, ao degustá-lo sentí que não era o mesmo gosto daquele que meu tio me presenteara no farol.
Aquele tinha o gosto da surpresa, da descoberta, até mesmo de uma transgressão pois meus pais nunca compravam nada na rua e eu nunca havia provado um bijú. Bijú vendido por um moço que fazia barulho com um instrumento de madeira para chamar a atenção dos compradores, anunciando a sua passagem pelas ruas e avenidas.
Quando fiquei gravemente doente na minha infância, meu tio muito nos ajudou, era uma presença constante e sempre fui muito grata pela sua existência na minha infância. Assim ele fez para muitas pessoas, aos amigos, aos meus avós, à tantas pessoas...
Hoje, durante a missa só conseguia me lembrar do seu rosto sorridente e satisfeito ao ver a família reunida e do seu cheiro de cigarro.
Voltei à frase da parede, com certeza ele foi uma pessoa muito necessária para muitas pessoas, uma pessoa com um grande significado da sua existência.
Eu sentí que ainda precisaria percorrer muitos caminhos para encontrar o meu livro, o significado do meu nascimento neste mundo, pois alegria é que não falta neste mundo, basta olharmos para o sorriso das crianças ao nosso redor, para os pássaros que nos acordam com seus cantos nas manhãs, mesmo morando numa grande metrópole!

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Medo

"Sempre tive medo, apenas nunca deixei de enfrentar".
Há muitos anos lí esta frase. Não me recordo com exatidão se foram estas as palavras, mas o conteúdo de uma resposta dada a uma repórter pela escritora Lya Luft  foi esta.
Admiro-a muito, pela sua forma de escrever, pelo seu talento de contemplar a vida e pela coragem de se mostrar, expondo o que se passa no seu âmago, através das palavras.
A frase me tocou bastante pois embora numa escala bem menor encontrei uma certa semelhança com o meu modo de viver.
Muitas vezes já ouvi os seguintes comentários:
- Nossa! Naomy, você está sendo corajosa!
ou
- Puxa! Você é muito forte!
Quando ouço isto acho interessante como conseguimos enganar tão bem o que na realidade somos por dentro.
A intensa fragilidade procuramos esconder através do enfrentamento.
Desde a minha infância sempre fui muito medrosa, daquelas que tem medo da própria sombra.
Medo do escuro, medo de sofrer, medo da dor, medo da perda, medo da ausência, medo de uma infinidade de coisas que a cada passo tenho tentado driblar. Não tenho medo de fantasmas, assombrações, tenho medo é da realidade que nos cerca, nos testa e não tem piedade.
Demorei muito a entender que o fato de ter medo não é uma prevenção nem nos torna imunes a sofrimentos e perdas e muito menos nos permite pular etapas.
Quando adolescente soube que eu deveria passar por uma pequena cirurgia. Embora uma microcirurgia, eu era uma mocinha que nunca havia passado por isto, fiquei com muito medo. Marquei para dois dias depois.
O médico admirado disse:
- Olha, não é tão frequente uma paciente que se mostra tão decidida e determinada. Você é muito corajosa!
Eu apenas sorri, mas ele estava totalmente equivocado. Eu estava com tanto medo, tanto medo que achei melhor passar por isto o mais depressa possível pois não iria agüentar ficar semanas pensando sobre a cirurgia. Se fosse possível faria naquele instante.
Houve uma época em que tive muito medo de perder a minha mãe. Quando criança pensava ser impossível sobreviver a uma vida sem a minha mãe. Mesmo já adulta, em muitas internações hospitalares pelo qual minha mãe passou nos ultimos anos de sua vida, meu coração ficava a ponto de explodir. O médico dela se preocupava comigo, me alertava sempre para me preparar, ser forte. Tentei me prevenir, exercitava a perda para tentar amenizar o sofrimento quando chegasse o momento. Nada disso funcionou, não me imunizou, tive que enfrentar passo a passo o ritual da perda com muito sofrimento, mas com os olhos bem abertos e com as pernas firmes sobre o chão.
Concluí que de nada adianta sofrer por antecedência, tentando se acostumar com a perda.
No momento exato a dor e o sofrimento é singular.
Para esta cena não há ensaios.
O medo é um fatasma que nos castiga antecipadamente sobre uma realidade que está por vir que ainda não chegou, que pode ser feia ou não tão feia ou nada feia.
Toda essa vivência tem servido para me ensinar que embora não seja fácil deixar de sentir medo, não vale a pena sofrer por antecipação, criar fantasmas imaginando o tamanho e a feiúra do "Lobo Mau" que virá nos assustar.
Afinal, o Lobo pode não ser tão mau assim e nós também poderemos não ser tão ingênuas quanto a "Chapéuzinho Vermelho".
Poderemos mudar o rumo da história, pintarmos a Chapéuzinho de outra cor e criarmos uma outra história para nossas vidas!

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Meu Pai.

Pai.
Sei que o senhor não irá ler esta página.
Não tem computador nem é dado a ler textos em português.
Dia sim, dia não, almoçamos juntos, falamos de quase tudo, mas ainda tenho o "quase" guardado dentro de mim. Não sou uma pessoa que tem problemas em falar dos próprios sentimentos, mas nunca cheguei a me desnudar diante dos meus pais no que diz respeito ao meu amor por eles. Respeito? Timidez? Vergonha?Talvez pelo receio de me sensibilizar excessivamente e também pela sensação da desnecessidade de verbalizar o óbvio.
Sempre fui a "filhinha da mamãe". Tenho uma fotografia que me registra em desespero nos braços do meu pai, pois o que eu queria era ir atrás da minha mãe. Onde minha mãe estivesse eu tinha que sair correndo atrás dela. Entre tantos acontecimentos destacam-se alguns mais graves. Quando eu tinha cinco anos era especialmente grudada à minha mãe, ficava o dia todo colada a ela. Um certo dia eu estava resfriada, ela iria lavar o quintal, queria que eu ficasse dentro de casa para não me molhar. Me achando muito esperta fingi obedecer, mas quando ela me deu as costas, saiu para o quintal e bateu a porta tentei segurar a porta pelo lado que tem as dobradiças e é claro que com as mãos de uma criança de cinco anos não consegui impedir que a porta se fechasse e lá se foi meu dedo entre o batente e a porta. Minha mãe me ouvindo gritar, abriu a porta, viu o meu dedo mindinho amassado e sangrando. "POEIM!" caiu desmaiada no chão. Meu pai, cujo estúdio de trabalho era na própria residência, veio correndo e ao ver aquela cena  empalideceu e com o semblante muito sério me colocou numa cadeira, correu para carregar a minha mãe até a cama, me pegou em seus braços e correu até o Pronto Socorro. Soluçando, alternei meu olhar entre o rosto muito sério do meu pai e do médico. Com muito medo observei a costura sendo feita no meu dedo como se costura um tecido. Cada vez que vejo meu dedo mindinho torto com a cicatriz da costura  reconheço que dei bastante trabalho aos meus pais. Tinha muito medo do meu pai na infância, quando ele falava bravo era definitivo e não havia outra opção senão obedecê-lo. Ele trabalhava noite e dia sem descanso nem férias, para ele não havia nem sábado nem domingo. Nas caminhadas que fazíamos ao cair da tarde, ele me contava que havia saido sózinho da Colônia Ribeirão dos Índios aos dezessete anos. Morou numa pensão na cidade de Marília, trabalhou como aprendiz de fotógrafo. Após seus vinte anos resolveu ser aprendiz de fotógrafo em um estúdio de São Paulo. Cursava o ginasial no período noturno, mas as repetidas horas extras que era obrigado a fazer atrapalhava-o nos estudos. Um certo dia decidira que iria se dedicar exclusivamente ao trabalho para se estabelecer, casaria com uma boa mulher, teria filhos e os faria se formarem. Trabalhou duro até conseguir ter o seu próprio estúdio e então conheceu minha mãe quando ela apareceu como uma cliente em seu estúdio. Foi amor à primeira vista, ou melhor, ele conta que foi certeza a primeira vista. Encontrara a mulher da sua vida!  Estas caminhadas vespertinas nos aproximava, eu jamais esqueci do delicioso sabor do pastel e guaraná gelado que meu pai me presenteava no caminho de volta, um segredo nosso antes do jantar. 
Mesmo sendo amigos tínhamos as nossas diferenças. Eu nunca fui uma criança fácil, nada sabia mas tinha opinião para tudo. Até mesmo a disciplina radical do meu pai, a dedicação excessiva ao trabalho me fazia revoltar. Eventos da escola e festas ele nunca participava pois estava sempre trabalhando para cumprir prazos de entrega de fotografias aos seus clientes.
Ele apenas nos levava aos locais dos eventos, então, nas festas éramos sempre uma família de mãe e filhos. Sempre respondíamos, sem graça, às perguntas das pessoas:
- E papai, não veio?
- Ele está trabalhando.
E logo vinha a outra pergunta :
- No domingo?
Recordo-me que sempre brigava com meu pai ao descer do carro e um dia muito revoltada gritei bem alto:
- É sempre a mesma coisa, o senhor nunca participa de nada! Só pensa em trabalhar!
No banco do motorista ele nada falou me olhou simplesmente, mas nunca me esquecí do seu semblante triste. Hoje consigo perceber como deve ter sido difícil ouvir estas palavras minhas, uma criança que ainda não compreendia o tamanho do esforço necessário para sózinho sustentar uma família. Tive os meus momentos de adolescente revoltada com o pai. Tinha grandes e acirradas discussões com ele sobre vários assuntos, política, romance, cinema, qualquer tema virava uma polêmica entre nós. Mesmo falando a mesma coisa discutíamos como se tivéssemos opiniões completamente divergentes. Meus irmãos nunca foram assim, mesmo quando não concordavam com a opinião dele sabiam a hora de parar. Eu brigava, não aceitava as opiniões dele e nem ele as minhas. Contudo quando ele falava era muito difícil superá-lo em argumentações.
Ano passado, viajamos para um campeonato de "Taikô"( Grande tambor - Percussão japonês) que meus sobrinhos iriam participar. O evento aconteceu na cidade de Marília, cidade onde meu pai havia morado aos seus vinte anos quando ainda era aprendiz de fotógrafo. Ele que detesta viagens resolveu nos acompanhar para torcer pelos netos e também para rever a cidade após mais de sessenta anos. Ficamos todos num hotel da cidade, eu e meu pai dividimos o quarto.  Na madrugada, ao vê-lo deitado na cama ao lado, dormindo, meu coração se apertou.  Parecia tão frágil e tão diferente daquele homem que eu ia de encontro com as minhas revoltas, minhas palavras agressivas, pois enxergava-o como um muro forte e irredutível que eu podia ir de encontro sem reservas que jamais iria se desmoronar. Ele sempre foi uma espécie de muro para mim. Um muro que me limitava mas também o muro que me protegia e tudo resolvia. Quando fiquei sériamente doente aos seis anos, quando tirei minha carta de motorista, quando eu bati o carro, quando me casei, em todos os momentos esteve sempre ao meu lado para tudo resolver. Um homem que sempre viveu em função da família, que com a ajuda da minha mãe conseguiu criar e formar seus filhos como ele planejara.
Quando ficou viúvo sofreu muito, o quanto, penso que nunca poderemos imaginar, tamanho era o seu amor pela minha mãe, mas se manteve firme, não queria nos dar preocupação. Até hoje, após cinco anos que minha mãe partira, tudo que o faz recordá-la, enche seus olhos de lágrimas.
Aos oitenta e tantos anos de idade iniciou-se no mundo da escrita em língua japonesa, publica seus textos com uma certa regularidade num jornal da colônia japonesa e tem surpreendido a todos com a qualidade e um conteúdo bastante sensível e romântico, onde minha mãe é a sua principal inspiração.
Pai, sou muito grata a você, respeito-o e admiro-o muito.
Sei que nunca conseguirei ser forte, guerreira e disciplinada tanto quanto ao senhor, muito menos superá-lo.
Pai, adotei uma atitude de palhaça e brava com o senhor pois não quero vê-lo frágil.
Sei que hoje é chegada a nossa vez de ser o seu muro, mas ainda estou condicionada a vê-lo como sendo o nosso muro forte que nos protege e nos ampara.
Pai, nunca te disse em palavras, mas em atitude, de sobra.
Pai, eu te amo.
Feliz Dia dos Pais!

domingo, 1 de agosto de 2010

Minha plantação.

Já falei anteriormente sobre o complexo que sinto da minha ignorância botânica (postagem do dia 12/05/10)e também da minha tentativa de aprendizagem. Tenho um imenso prazer em contar que tenho evoluido, embora a passos de tartaruga. No prédio onde resido, reparei que um morador do térreo plantara cebolinhas num vaso e de tão lindas me causavam  muita inveja(boa, como muitos dizem, se é que isto existe). Eram vistosas, sadias e  chamavam muita atenção. Um certo dia ao encontrar com o moço, dono das cebolinhas, elogiei sua plantação e ele muito satisfeito, gentilmente, me respondeu:
- Quando você quiser esteja à vontade para colhê-las!
Agradeci, mas não teria cabimento deixar a plantação do moço  à mingua. Resolvi imitá-lo.
Comprei um montão de maços de cebolinha e à medida que ia consumindo, plantava a raiz num vaso, na minha varanda. Rápidamente ela se desenvolveu e o meu vaso também se encheu de cebolinhas vistosas e apetitosas. Cada prato que preparo, lá vou eu eufórica para a minha varanda buscar as cebolinhas com carinho e respeito.  E eles dão o toque final delicioso aos meus quitutes. A raíz da cebolinha permanece no vaso, então novamente ela se desenvolve e assim nunca mais faltaram cebolinhas na minha cozinha. Com o sucesso, a minha gula pensou mais longe e resolvi que precisava de salsinhas também. Salsinhas não se vendem com as raízes, portanto fui à procura de sementes de salsinhas, porém encontrei apenas de coentros.
Coentro era uma erva que eu não possuía intimidade. Lembrei que a minha aluna Darcy, uma senhora de 76 anos muito bem vividos, (também já postei a respeito dela no dia 17/04/10) havia comentado que a erva que melhor harmonizava com o feijão era o coentro. Até então, todas as vezes que ia ao supermercado à procura de salsinha e encontrava apenas maços de coentro, olhava  torto para eles, arrancava uma folhinha, cheirava e em pensamento  murmurava:
-Só tem você, hoje! Que bela droga, embora tenha um design das folhas semelhante à salsinha, você não me apetece. De que me serve você com este seu aroma estranho?
Porém, após ouvir o comentário da minha aluna resolvi dar uma chance ao coentro. Iria criar coentros meus para provar com o feijão. Todos os dias eu ia lá no vaso e tinha o prazer de acompanhar cada vez que as mudinhas venciam a terra e achavam o caminho da luz. Demoraram um mês ou mais para atingirem o seu ponto ideal para serem colhidos. Ficaram bonitos e saudáveis. Preparei o meu feijão preto, colhi orgulhosa os ramos do coentro e ao lavá-los o aroma que um dia achara estranho senti-o delicioso. Ao picá-lo me envolveu com um aroma de fundo refrescante semelhante ao de uma laranja. Acrescentei também as folhas de louro e o meu feijão ficou supimpa!
Pensei com os meus botões:
- Porque não pensara antes em ter uma plantação de ervas?
Cheguei à conclusão que houvera tempos em que eu não possuía tranquilidade suficiente para apreciar uma planta, muito menos regá-las, apenas corria contra o tempo fazendo não sei o quê.
Achei muito divertido e me senti muito feliz ao apreciar um tempero cultivado numa varanda, pelas minhas próprias mãos.
Mesmo sendo uma pessoa ansiosa, aprendi a aguardar e respeitar o tempo necessário da natureza. Experimentei o prazer de consumir alimentos que dediquei tempo e amor para cultivá-los e o melhor, ter a certeza da ausência de agrotóxicos.
Observei que talvez eu tenha conseguido alcançar uma modesta calmaria onde consigo dar valor a estas pequenas felicidades, tão simplórias mas tão verdadeiras e prazerosas.