Uma voz estridente tirou minha concentração. Eu que estava com o pensamento totalmente envolvido em meus problemas diários, percebi que havia uma pessoa bem mais irritada do que eu na fila.
Que susto! Virei-me para conhecer a dona da voz.
Era uma senhora volumosa, vestida elegantemente, no pescoço muitos enfeites dourados. Exibia as maçãs do rosto avermelhadas, sobrancelhas arqueadas defendendo aos brados sua ideologia que podia se resumir em:
"Para não me atrapalharem, ninguém, além de mim, deve utilizar-se do supermercado em hora de almoço!"
Olhou para mim arqueando ainda mais suas sobrancelhas como se aguardasse aplausos ou como se fosse me agredir caso eu não concordasse ao seu discurso.
Preferi não engatar o assunto parecia fora de si, fiz "cara de samambaia" e voltei aos meus pensamentos.
Fila de supermercado é um local interessante onde tudo pode acontecer, desde conhecermos pessoas, ganharmos amigas, ouvir sobre tragédias domésticas, sofrimentos amorosos, dicas de cozinha, indicações de viagens, restaurantes para ir e para não ir... E principalmente para entrar em contato com as peculiaridades humanas.
Bem, começando por mim, o meu comportamento numa fila é :
Sou aquela que em dias de bom humor converso, faço amizade, dou risada, mas nos dias menos felizes fico inquieta, ansiosa, não falo e a cada segundo fico contando quantas pessoas ainda faltam na minha frente. Olho a todo instante para o caixa como se isso fosse ajudar a acelerar o processo.
Existem aqueles que cantam, contam piadas, discutem futebol defendendo seus times de coração, dividem seus problemas, enfim é onde pode-se ouvir e ser ouvido. Porém, quando as pessoas se perdem nas inconveniências destoando seu tom de voz, a maioria se assusta e prefere ignorar ou existe também aqueles que são contaminados passando a agir da mesma forma.
Mas a senhora volumosa não encontrou simpatizantes. Todos a ignoraram e ela ficou falando sózinha por muito tempo e olha, ela foi insistente:
-Que saco, estou perdendo todo o meu horário de almoço numa fila de supermercado! Que absurdo!Pessoas que tem tempo livre, que não tem horário de almoço apertado como eu, que venham mais tarde! Que droga! Que saco!
Ela estava perdendo completamente a noção do bom senso.
Poderá existir uma pessoa que realmente acredite nisso?
Permanecer na fila, por si só já não é uma situação agradável, pior ainda é aguentar berros de pessoas inconvenientes. É demais !. Estava se tornando sufocante ouvir aquela voz fina e estridente falando absurdos. Me sentia como se estivesse num deserto sob o sol escaldante, desesperadamente à procura de água.
E ela veio!
A água veio pela voz suave e alegre da moça do caixa que de tão feliz parecia nem se dar conta do escândalo que a figura volumosa estava fazendo na fila.
- Ai, estou tão feliz! Olha que sol lindo que está fazendo hoje, gente! Antes de sair para trabalhar, lavei todas as minhas roupas e deixei penduradinho no varal! Quando eu chegar, vai estar tudo sequinho! Vai estar tudo cheirando sol!
Parecia que eu podia até sentir o aroma do sol nas roupas limpinhas!
- Onde você mora?
Perguntei a ela sorrindo, contagiada pela alegria dela.
- Ah, é muito longe, a senhora não deve conhecer não, tomo duas conduções e ando mais tantos!
Chego lá bem de noitinha! Mas tudo bem, hoje as minhas roupas estão salvas! Ah, se estão!
E riu, uma risada gostosa de uma pessoa que estava realmente se sentindo contemplada pela vida.
Achei-a tão digna, tão merecedora deste sol maravilhoso, deste presente que Deus a enviava!
Era um contraste tão grande entre a amargura da senhora da fila e a alegria da moça do caixa que pude perceber nítidamente onde se encontra a mina da felicidade.
Já com as minhas compras devidamente ensacadas, falei.
- Tchau! Um ótimo dia pra você!
A moça do caixa respondeu com um sorriso mais especial ainda:
- Já éstá sendo! Já está sendo! Tchau! Vai com Deus!
-Obrigada, sei que você já está com Ele!
Nenhum comentário:
Postar um comentário