segunda-feira, 28 de março de 2011

O sorriso.



Do livro " Eca! Dá um bucadim..."
História: João Francisco Paes
Ilustração: Naomy Kuroda
Editora Saraiva
Meu coração tem pedido silêncio.
O silêncio necessário para escutar, ver, sentir, pensar, refletir, aprender e guardar no coração.
Tive a sensação de que qualquer manifestação verbal soaria leviana diante dos últimos acontecimentos.
A  grande catástrofe que assolou  a terra oriental, terra que acolheu meu pai no seu primeiro choro, dispertou-me fortes emoções..
Ao me deparar com as imagens tão assustadoramente nítidas, registradas com lentes e máquinas, tecnologia, fruto principalmente do povo que vive nestas mesmas terras que foram mutiladas pela natureza impiedosa, me deixou por um tempo vazia, sem saber o que pensar ou falar.
Imagens tristes, mais do que tristes, cruéis e com certeza amenas diante do que aquele povo viveu na realidade, na fatídica tarde de um dia normal de trabalho. Acredito que tristeza é um sentimento que vivenciamos quando ainda o desespero não tomou conta da nossa alma. As imagens mostram no rosto destas vítimas olhares mais do que tristes, são olhares perdidos, vazios dos que não enxergam horizontes. Olhares aterrorizados dos que ainda nada sabem o que está por vir. Adultos possuem cascas, grossas lâminas ao redor dos seus corações criadas pela vida, proteções que permitem agüentar infortúnios, mas e as crianças? Esses pequenos seres puros, vulneráveis, frágeis que precisam de proteção para crescer e aprender sobre a vida no seu devido tempo. No devido tempo e não assim, repentinamente e à força.
Dentre tantas imgens que me feriram duas ficaram incrustadas no meu coração. Na primeira imagem, um repórter brasileiro, um ser humano que não fugiu à primeira ameaça, à situação de risco, não pegou o primeiro avião de volta ao seu país de origem e está juntamente com o povo que o acolheu em sua terra para registrar e ajudar o povo a continuar enfrentando a vida. Durante a sua reportagem encontrou duas crianças vasculhando escombros para tentarem encontrar alguma comida para saciarem a fome. Ao serem abordados pelo repórter seus rostos expressaram susto, vergonha, desproteção e terror. Olhares assustados de quem foi pego fazendo algo errado. Duas crianças nítidamente bem tratadas, crianças que há alguns dias suas realidades eram completamente diferentes, protegidas, sem experiências ameaçadoras  e naquele momento estavam lutando sózinhos para saciarem a fome, sobreviverem pelo menos naquele instante sem ao menos saberem onde estariam seus pais ou parentes, se estariam vivos ou mortos. O que sentir diante desta imagem? O que discursar diante disso? Culpar quem? A natureza enfurecida? O homem que cada vez mais destrói a natureza? Gritar? Chorar? Tudo isso seria muito pouco.
O repórter brasileiro, um homem experiente que no decorrer da sua profissão, imagino, já teria presenciado muitas coisas tristes parecia desmoronar. Com a voz embargada pediu às crianças que esperassem, correu até o seu van profissional, pegou o seu pouco alimento que possuia e entregou-os.
E neste instante pude ver a outra imagem que me calou profundamente. As duas crianças uma menina e um menino de cabelos negros e escorridos, peles alvas como a neve que os cercava, receberam os pacotes  nas suas mãos minúsculas, agradeceram inclinando suas cabeças como fazem os japoneses e sorriram. Sorriram. Um sorriso puro, lindo, um sorriso que salva a nossa alma, um sorriso que aperta o nosso coração, que nos deixa sem ar e nos desconcerta. Crianças que naquele momento de dor profunda, separadas dos seus pais, com frio e fome, ainda conseguiam sorrir diante de uma prova de amor.
O repórter calou-se por alguns instantes e as crianças foram se distanciando protegendo-se um ao outro e mesmo de costas olharam inúmeras vezes para trás, para aquele que acariciou seus corações e que talvez nunca mais veriam, mas com certeza sempre se lembrariam.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Caixa mágica musical.

Qual seria o mecanismo que aciona  nossas emoções ao disparar a caixa musical interna?
A minha única resposta é:
- Não sei, ainda não descobri.
Resposta simplória e desanimadora?  Pois é, mas infelizmente é só o que consigo responder por hora.
Tenho uma coleção de músicas que  faz chover a minha alma, sem ao menos saber o porquê.
Seriam as mensaagens que elas transmitem? Não necessáriamente. Muitas vezes bastam apenas melodias.
Quando criança, nos eventos culturais, os professores da escola de língua japonesa, me treinavam,  me enfeitavam, me vestiam com o kimono(traje típico japones) e  sobre o palco me empurravam em direção ao microfone. Ninguém me consultava se eu gostaria de cantar. Nem ao menos eu tinha o benefício de escolher a música. Para a minha tristeza, geralmente músicas sentimentais e tristes eram destinadas para que eu cantasse.
Do alto do palco, meu coração tremia, sentia no ar a expectativa do público, pares de olhos brilhantes à espera da canção que eu soltaria pela minha garganta.  E ela não vinha de imediato, quando aos trancos  minha garganta expelia um som, mais parecia uma melodia em som digital com interferência. O que vinha em abundância eram lágrimas que desciam sem parar pela minha bochecha abaixo.
E eu ficava com raiva, muita raiva de mim, o meu sentimento era de:
- Que raiva!, Mais uma vez, não consegui me segurar. Não consigo parar!
A reação da platéia se dividia entre risadas e olhares de piedade, decepção e desaprovação. Pareciam interpretar as minhas lágrimas como lágrimas de uma criança que chorava de timidez, seria apenas mais uma criança passando por uma cena de "mico" num evento escolar.
Me esforçava em não me concentrar no conteúdo da música, mas nada adiantava. Bastava iniciar o fundo musical. Era o suficiente para sangrar meu coração. Estava acionado o meu mecanismo das lágrimas que não estancaria tão facilmente. Nem sempre era o que a letra dizia que me emocionava, a melodia agitava meu coração. Passava a maior vergonha e ao deixar o palco sentia uma enorme frustração e me ressentia dos professores que me convenciam ou melhor, práticamente me obrigavam a cantar  incentivando e dizendo o quanto eu cantava bem e que por isso era meu dever representar a escola.
Muitos anos se passaram mas não criei nenhuma resistência quanto a este fato. Não é que eu não goste de cantar, pelo contrário, sinto muito prazer em cantar em casa, sózinha, diante de um aparelho de karaokê.
Porém ainda hoje,quando exercito a minha garganta, muitas músicas conseguem me derrubar. Pior ainda quando a letra da música retrata a mãe, por mais que eu tente não consigo chegar à metade dela sem chorar.Tudo continua o mesmo, amigos e parentes me elogiam e me fazem cantar. As pessoas acham engraçado esta minha falta de controle das emoções musicais e  me pressionam a cantar e o meu lado otimista aceita o desafio para conferir se já superei esta minha falta. Verifico constrangida que este interessante fenômeno que a música me proporciona continua bem presente dentro do meu coração.     
A minha caixa musical que guardo no meu coração é ainda a mesma desde a minha infância.

sábado, 5 de março de 2011

Conviver=Lapidar-se.

Tenho pensado sobre a nossa transformação interior ao longo da vida.
Por muitas vezes ouço frases que nos levam ao desânimo tais como:
"Ninguém muda ninguém"
ou ainda
"É ilusão esperar que alguém mude de verdade".
Ouvi, uma certa vez, uma piada que assim dizia:
O grande problema de um casal é que diante do altar, quando o casal está prestes a dizer o "Sim" a noiva, olhando para o seu amado noivo, estaria pensando:
- Ah! Agora como esposa dele vou poder mudá-lo, transformá-lo do jeitinho que me agradar.
Por sua vez, o noivo, olhando para a sua amada noiva, estaria pensando:
- Ah! Como minha noiva é bela! Ela nunca irá mudar, será sempre esta pessoa meiga, carinhosa e magra.
É apenas uma piada. Como toda piada, ela retrata com ironia uma situação da vida.
Todos nós sabemos que seja para o melhor ou para o pior o tempo nos transforma, nada permanece igual. Seria a vida como uma loteria?  Poderíamos prever como estaremos daqui a alguns anos? Estaríamos amadurecidas e  sábias ou talvez quem sabe estaremos mais amargas, descrentes?
Quem sabe estaremos serenas, dóceis e amáveis? É difícil apostarmos por alguma destas opções. Mas podemos sim mantermos alertas e vigilantes para seguir uma direção positiva.
Com um pouquinho de bom senso e sorte podemos nos lapidar, o que nem sempre significa que será para melhor, mas através das vivências e convivências conseguimos absorver o que o próximo tem  para nos ensinar ou ainda o que os acontecimentos da vida possam nos inspirar.
Muitas vezes uma pessoa que passa por experiências desastrosas conseguem reunir força e coragem para se reerguer e se tornar uma pessoa melhor, porém também há exemplos de pessoas que infelizmente não conseguem fazer do limão uma limonada deliciosa.
É necessário ter "sorte" para cruzarmos com as pessoas certas que nos comovam e nos transformem em pessoas melhores?
Será necessário estarmos com o coração aberto para enxergarmos no outro o que eles têm de melhor para nos ensinar e acrescentar?
Desde a minha adolescência tenho me empenhado em mudar os aspectos da minha personalidade que tanto me incomodam.  Confesso que não é uma tarefa fácil. Muitas vezes temos a ilusão e a falsa sensação de que estamos obtendo êxito, mas  diante de algumas situações que fogem do esperado,
tudo que parecia ter conseguido melhorar, voltam à tona e então ficamos arrasadas e frustradas ao constatar que no fundo, lá no fundo, ainda não conseguimos chegar lá.
Então devo me render às duas afirmações acima  e aceitar que é impossível mudarmos verdadeiramente  e dar por encerrado a nossa tentativa de apararmos as nossas arestas que nos incomodam? Nascemos de um jeito e permaneceremos assim para sempre?  E se vivessemos isoladas  numa caverna? Mesmo assim imagino que teríamos a capacidade de mudarmos, teríamos tempo suficiente para convivermos conosco mesmo, de nos confrontarmos, assim como fazem os peregrinos que bravamente enfrentam a introspecção durante o "Caminho de Santiago de Compostela".
No decorrer da vida temos a feliz oportunidade de conviver com uma infinidade de seres humanos que muito nos ensinam pelos acertos ou pelos erros deles. É lindo sentirmos a transformação interior nem que seja um passinho muito pequeno. Para isso é necessário olhar, contemplar, admirar, apaixonar-se pelas pessoas, por todos os seres que a vida nos oferece e  na convivência inspirarmos neles para nos lapidarmos.  Fomos generosamente colocados num planeta cheio de riquezas com muito tempo para desfrutá-las, então o melhor que temos a fazer é aproveitarmos para nos construirmos de tal maneira que a nossa existência valha  ter acontecido.
Conviver é lapidar-se, acredito nisso.
Que um dia nós possamos transformar numa linda jóia!