Do livro " Eca! Dá um bucadim..." História: João Francisco Paes Ilustração: Naomy Kuroda Editora Saraiva |
O silêncio necessário para escutar, ver, sentir, pensar, refletir, aprender e guardar no coração.
Tive a sensação de que qualquer manifestação verbal soaria leviana diante dos últimos acontecimentos.
A grande catástrofe que assolou a terra oriental, terra que acolheu meu pai no seu primeiro choro, dispertou-me fortes emoções..
Ao me deparar com as imagens tão assustadoramente nítidas, registradas com lentes e máquinas, tecnologia, fruto principalmente do povo que vive nestas mesmas terras que foram mutiladas pela natureza impiedosa, me deixou por um tempo vazia, sem saber o que pensar ou falar.
Imagens tristes, mais do que tristes, cruéis e com certeza amenas diante do que aquele povo viveu na realidade, na fatídica tarde de um dia normal de trabalho. Acredito que tristeza é um sentimento que vivenciamos quando ainda o desespero não tomou conta da nossa alma. As imagens mostram no rosto destas vítimas olhares mais do que tristes, são olhares perdidos, vazios dos que não enxergam horizontes. Olhares aterrorizados dos que ainda nada sabem o que está por vir. Adultos possuem cascas, grossas lâminas ao redor dos seus corações criadas pela vida, proteções que permitem agüentar infortúnios, mas e as crianças? Esses pequenos seres puros, vulneráveis, frágeis que precisam de proteção para crescer e aprender sobre a vida no seu devido tempo. No devido tempo e não assim, repentinamente e à força.
Dentre tantas imgens que me feriram duas ficaram incrustadas no meu coração. Na primeira imagem, um repórter brasileiro, um ser humano que não fugiu à primeira ameaça, à situação de risco, não pegou o primeiro avião de volta ao seu país de origem e está juntamente com o povo que o acolheu em sua terra para registrar e ajudar o povo a continuar enfrentando a vida. Durante a sua reportagem encontrou duas crianças vasculhando escombros para tentarem encontrar alguma comida para saciarem a fome. Ao serem abordados pelo repórter seus rostos expressaram susto, vergonha, desproteção e terror. Olhares assustados de quem foi pego fazendo algo errado. Duas crianças nítidamente bem tratadas, crianças que há alguns dias suas realidades eram completamente diferentes, protegidas, sem experiências ameaçadoras e naquele momento estavam lutando sózinhos para saciarem a fome, sobreviverem pelo menos naquele instante sem ao menos saberem onde estariam seus pais ou parentes, se estariam vivos ou mortos. O que sentir diante desta imagem? O que discursar diante disso? Culpar quem? A natureza enfurecida? O homem que cada vez mais destrói a natureza? Gritar? Chorar? Tudo isso seria muito pouco.
O repórter brasileiro, um homem experiente que no decorrer da sua profissão, imagino, já teria presenciado muitas coisas tristes parecia desmoronar. Com a voz embargada pediu às crianças que esperassem, correu até o seu van profissional, pegou o seu pouco alimento que possuia e entregou-os.
E neste instante pude ver a outra imagem que me calou profundamente. As duas crianças uma menina e um menino de cabelos negros e escorridos, peles alvas como a neve que os cercava, receberam os pacotes nas suas mãos minúsculas, agradeceram inclinando suas cabeças como fazem os japoneses e sorriram. Sorriram. Um sorriso puro, lindo, um sorriso que salva a nossa alma, um sorriso que aperta o nosso coração, que nos deixa sem ar e nos desconcerta. Crianças que naquele momento de dor profunda, separadas dos seus pais, com frio e fome, ainda conseguiam sorrir diante de uma prova de amor.
O repórter calou-se por alguns instantes e as crianças foram se distanciando protegendo-se um ao outro e mesmo de costas olharam inúmeras vezes para trás, para aquele que acariciou seus corações e que talvez nunca mais veriam, mas com certeza sempre se lembrariam.