Cada dia que acrescento à minha vida tenho sentido indignada e encantada ainda mais com o que encontramos no coração das pessoas. Um pequeno incidente metropolitano, dentro de um ônibus urbano, me deixou reflexiva sobre a capacidade do ser humano de torcer pelo outro. Um jovem passageiro absorto em seus pensamentos não percebeu que o seu destino estava próximo. Ele ainda nem havia passado pela catraca. Em segundos deveria descer. Quando percebeu, virou a cabeça para direita, para esquerda, arregalou os olhos, levantou-se num espanto, retirou o seu * "bilhete único" do bolso, passou seu cartão pelo leitor ótico, passou pela catraca, correu espremendo-se entre os passageiros de pé e desceu apressado do ônibus. Conseguira o seu intento, descer a tempo no seu ponto de destino. Porém, ao fazê-lo, seu cartão de "bilhete único" havia ficado no chão do ônibus. Apressado, sem perceber, o distraído rapaz, foi andando pelas ruas da cidade grande.
Imediatamente um passageiro recolheu o cartão do chão. Olhou ao redor para verificar se alguém o flagrara. Algumas pessoas que estavam sentados próximos à porta de saída do ônibus, inclusive eu, entendemos rapidamente o que se passava.
- Ai! É o cartão do garoto!
Gritei.
Logo outras pessoas também se manifestaram:
- É! Coitado do rapaz, o bilhete pode estar cheio de crédito!
Pela janela do veículo em movimento procuramos pelo rapaz.
Lá estava ele, enfiando suas mãos em todos os bolsos da sua calça, à procura de algo. Obviamente percebera que havia acabado de perder a sua garantia de transporte. Ergueu seu rosto desesperado em direção ao ônibus que se distanciava rapidamente.
O homem que pegara o cartão, já havia guardado o cartão em seu bolso. Apossara-se, satisfeito, do bem alheio. Afinal ele deve ter pensado:
-Achado não é roubado.
Ele me olhou com frieza um tanto ameaçadora e levantou seus ombros como quem diz:
-Vai fazer o quê...
Pela janela traseira vimos o rapaz correndo e tentando alcançar o ônibus.
-Moço, devolve pra ele, é só jogar o cartão pela janela, ele alcança e pega...
Com muito medo, falei. O homem tinha uma cara muito feia.
Todos ao meu redor me ajudaram:
-É! Devolve! O rapaz tá correndo! Deve ter muito crédito no cartão! Joga o cartão pela janela que ele pega! Vai!
Todos tinham um semblante muito sério! O homem ficou sem jeito em meio a tanta pressão, mas ainda assim resistiu fingindo não ouvir.
Uma mulher forte levantou-se do assento, abriu a janela e gritou ao homem:
-Vai! Joga!
Acuado e percebendo que era minoria retirou o cartão do bolso.
Com má vontade o homem jogou com pouca força.
Olhamos para o rapaz. Ele percebera que algo caira do ônibus e acelerou ainda mais seus passos, olhou para nós, um monte de rostos solidários grudados na janela, sorriu e acenou. Só ficamos tranquilos quando ele alcançou e pegou o cartão sobre a calçada. Com o cartão recuperado, mais uma vez acenou em agradecimento.
Todos nós nos recompusemos e seguimos satisfeitos, menos o homem de cara feia.
Um acontecimento tão corriqueiro, tão normal e óbvio, devolver a alguém o que lhe pertence, nada demais, mas ainda assim foi necessário batalhar, pensei.
Uma coisa, "nada demais" que revela duas facetas humanas tão díspares, o "levar vantagem" sobre os seus semelhantes e o satisfazer-se torcendo para que os seus semelhantes não sejam prejudicados.
Finais felizes sempre nos proporcionam satisfação independentemente de quem quer que seja o envolvido.
* Bilhete Único em SP: Sistema de bilhetagem eletrônica que permite utilizar, ao preço de uma tarifa, 4 viagens (ônibus/metrô ou trem) no período de 3 horas. Sistema de cartão, creditado valores neles em casas lotéricas e nas estações dos metrôs. Existem vários sistemas: comuns, estudantes, vale-transporte, mãe-paulistana, bilhete-amigão e especial (idosos e pessoas com necessidades especiais).
ação coletiva! que maravilha Naomy! até o coração mais duro (o moço de cara feia) refletirá, tenha a certeza! beijo grande,
ResponderExcluirOi, Penélope,
ResponderExcluirFiquei muito contente ao constatar
a sua visita!
Andar de ônibus é muito rico!
É nestes momentos que temos a oportunidade de nos depararmos com as crônicas da vida.
Um beijo grande!
Nos veremos breve!
Naomy.