sábado, 27 de fevereiro de 2010

Ainda não.


Ainda não, disse-me , uma pessoa cujos pensa-
mentos e sabedoria respeito e admiro.
Palavras vindas de alguém que tenho certeza do seu carinho por mim deixou-me cheia de curiosidade e frustração. Por que? O que falta em mim? Quanto tempo levarei para ser merecedora
de compreender o que ela declarava que ainda não era hora de saber, de assimilar sua orientação. Ansiosamente me inundei em reflexões e ao fazê-las comecei a encontrar semelhança com atitudes minhas em relação aos meus alunos.
Muitas vezes eles me questionam quanto tempo levarão para desenhar bem, sem nenhuma dificuldade. E quando se trata de jovens que me dirigem tal questionamento está intrínseco que "quanto tempo" significa "quantos meses" ou quem sabe, "quantas semanas". Também tenho experiência em juventude etária, sei perfeitamento da pressa, da ansiedade do saber, da velocidade que eles querem conquistar o mundo. Nestas horas percebo que não adianta fazer um discurso
e fazê-los compreender que aprendizado não conhece o fim, que tempo para totalizar um conhecimento não se pode precisar e tão pouco desconheço se existe o fim e então brinco com eles.

- Olha, eu também penso que se existisse um "chip" que pudessemos comprar e instalar na nossa cabeça e saíssemos desenhando seria ótimo, mas infelizmente ainda não inventaram nada parecido, não posso prever, muito menos prometer em quanto tempo você será um bom desenhista, terá que ir vencendo etapas mas garanto a você que a cada etapa se sentirá feliz e realizado.
Não será apenas ao concluir que se sentirá gratificado. Vamos nos divertindo a cada etapa. Apreciando o desenhar e não apenas contemplando o desenho finalizado.
Graças a Deus eles me compreendem.
Em outras circunstâncias, ao analisar os desenhos dos alunos, vejo que muitas vezes não é hora ainda de fazer certas críticas ou orientações ele terá que vencer uma etapa para compreender o que eu teria para falar e guardo para uma outra oportunidade e quando este dia chega muitas vezes eles me interrogam.

- Nossa, Naomy por que você não me disse antes?

E eu torcendo para que eles me entendam respondo:

-Porque naquele momento ainda não era a hora. Você já reparou que quanto melhor você está desenhando estou ficando mais exigente? Faço isso pois sei que você já pode me entender
e sei que você já pode fazer bem melhor.
E graças a Deus eles me compreendem e me dão ainda de brinde um bonito sorriso de satisfação e cumplicidade, um sorriso que interpreto como:

"Sei que você está fazendo o melhor por mim".

E então posso compreender aquela pessoa que me diz :

-Ainda não, Naomy.

Pois assim como meus alunos sei que tem amor por mim e faz sempre o melhor por mim.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Camilla Cerqueira César



Longas estradas percorremos no decorrer das nossas vidas e pelo caminho vamos conhecendo e guardando em nossos corações pessoas queridas que ficarão conosco para sempre. Se começarmos a enumerar todas as pessoas que nos agraciaram com a sua presença, nos ensinaram, nos ajudaram, dividiram conosco o seu pão e a água, teremos uma lista incalculável de lindos nomes!
Tenho muito prazer em recordar sobre todas estas pessoas e ao fazê-las tenho a grata oportunidade de encontrá-las
novamente, mesmo as que não posso mais vê-las nesta vida.
Camilla Cerqueira César é uma dessas pessoas que adoro recordar. No artigo anterior que postei contei como a conheci
nas reuniões do CELIJU. Uma senhora muito terna, delicada, porém forte, ativa e dedicada à tudo que dizia respeito à Literatura Infantil e Juvenil. Era um dos membros mais importantes do CELIJU. Chegava dirigindo seu fusquinha, sempre elegante com os seus lindos cabelos grisalhos. Em todas as reuniões me procurava e carinhosamente me incluía nas conversas do grupo para me deixar sempre inserida e à vontade e eu percebia esta sua generosidade com muita gratidão.
Assim como a Lúcia Pimentel Góes, observando a minha grande paixão pela ilustração, Camilla ofereceu-me um texto que há muitos anos ela guardava com a intenção de publicar. O livro "Nem assim, Nem assado" foi o segundo grande presente que recebí, possibilitando assim dar continuidade à carreira de ilustradora. Logo me apaixonei pelo texto, em cada página ela se utilizava de antônimos contando a história de "Biba e Bilíu" a "gordinha" e a "magrinha". Fui muito feliz ilustrando esta história. Durante o processo de ilustração ela me ofereceu mais um texto também contando uma outra história da "Biba e Bilíu" só que esta ela mesma já havia ilustrado muito graciosa-
mente em preto e branco. Porém, ela não possuía mais segurança nas suas mãos para arte finalizá-las e então aceitei fazer a diagramação interna do livro e arte finalizei todas as ilustrações fielmente às suas originais.
Quando concluí o projeto no rascunho ela quis muito vê-las e me convidou para almoçar em sua casa. Ainda me recordo do sorriso que se abriu no seu rosto ao tomar em suas mãos o boneco do livro, ficou feliz e muito ansiosa para vê-las publicadas. Mas o inesperado aconteceu...
Perto de alguns dias antes do livro sair da gráfica recebi um triste telefonema da Lúcia Pimentel Góes me comunicando a partida da Camilla desta vida. Ela havia partido suavemente sentada na sua cadeira de descanso que ela possuía na sua sala de estar. Sentí um desespero enorme pelo irreversível e chorei como nunca havia chorado antes. Chorei pela sua ausência, chorei pela minha impotência diante do impedimento, pelo seu sorriso de alegria que eu deixaria de apreciar quando ela tivesse estes dois livros em suas mãos.
Minha mãe, assustada e preocupada com a minha enorme tristeza me confortou dizendo que onde Camilla estivesse apreciaria os livros igualmente.
E assim alguns dias depois da sua partida, pelas
mãos do Editor da Editora do Brasil , na época, Walter Szeligowski Ramos, os dois livros foram lançados pelo Brasil afora.

Camilla, muito obrigada por fazer parte da minha história.

Esta foto marca os felizes dias de uma exposição que aconteceu no SESC-Campestre de São Paulo denominado "As figuras do Livro" com muitas imagens de como se ilustrava um livro antigamente, cedida pela Camilla Cerqueira César e ilustrações atuais da época, onde também participei com os meus trabalhos.

Da esquerda para direita, Camilla Cerqueira César, Lúcia Hiratsuka, Eu, Maria Heloísa Penteado e a irmã da Camilla.

Em 1988 inaugurou-se a Biblioteca Municipal Camilla Cerqueira César, no Bairro de Butantã
em São Paulo.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Lúcia Pimentel Góes

O Dedal da Vovó.
Esta história aguardava por mim.
No ano de 1986, ávida por conhecer de perto a arte da ilustração, comecei a participar de vários eventos relacionados com ilustração de livros. Frequentava muitas exposições, ia ao encontro de ilustradores profissionais que me inspirassem, me ensinassem os caminhos que deveria trilhar para me profissionalizar como ilustradora de livros infantil e juvenil. Tomei conhecimento da existência de um centro de estudos chamado CELIJU Centro de Estudos de Literatura Infantil e Juvenil. As reuniões aconteciam no auditório da Biblioteca Monteiro Lobato, região central de São Paulo. Não me recordo com exatidão se aconteciam mensalmente ou semanalmente, mas eu estava sempre lá, um peixe totalmente fora d'água.
Era uma reunião de escritores já consagrados, editores e ilustradores profissionais.
Quietinha me sentava no cantinho, mas sendo míope, sempre me posicionava na primeira fileira. Logo as pessoas começaram a reparar que havia uma garota, personagem nova e então carinhosamente se aproximavam de mim. Assim conheci Camilla Cerqueira César e Lúcia Pimentel Góes. Duas senhoras ternas que se dirigiram a mim para que eu me enturmasse mais naquele ambiente totalmente diferente do que eu estava acostumada a frequentar. Nas reuniões, palestrantes ilustradores como Eva Furnari , Luis Camargo, Angela Lago, Rui de Oliveira, Ciça Fittipaldi e tantos outros compartilhavam suas experiências como ilustradores respeitados me deixando cada vez mais apaixonada por esta arte. Escritores de literatura infantil e juvenil consagrados como Camilla Cerqueira César, Lúcia Pimentel Goés, Giselda Laporta Nicolelis, Odete de Barros Mott, Maria Heloisa Penteado, profa. e Dra. Nelly Novaes Coelho e muitos outros, a cada palestra, enriqueciam nossos conhecimentos. Um abençoado dia, Lúcia Pimentel Góes sabendo da minha paixão convidou-me para ir até a sua casa e generosamente me ofereceu um texto para que eu ilustrasse experimentalmente. Se ficasse bom ela ofereceria para publicação em alguma editora. Eu fiquei em transe ao ouvir esta oferta. Lembro que levei o texto para casa com todo carinho e cuidado, com o coração palpitante! Era uma rara oportunidade, a primeira pessoa que estendia a mão para mim oferecendo-me um trabalho como ilustradora profissional. Chegando em casa meu sentimento era uma mistura de euforia e medo. E se eu não conseguir realizar um trabalho à altura? Mas a história me cativou e me conduziu. Não poderia desperdiçar esta chance. Me empenhei ao máximo tanto na criação de personagens como na programação visual das páginas e coloquei todo o meu carinho neste trabalho para retribuir esta confiança que a autora havia depositado em mim.


A Lúcia aprovou e ofereceu ao Editor, na época, da Editora FTD, Lino de Albergaria. Orientado pelo Editor de Arte, Cláudio Cuellar concluí o meu primeiro trabalho profissional como ilustradora. Assim nasceu meu primeiro rebento como ilustradora, "O Dedal da Vóvó".
Este livro será sempre o meu querido primogênito.
Lúcia Pimentel Góes merecidamente recebeu o prêmio APCA por este livro.
Depois de muitos anos, ainda hoje, este livro me proporciona bons momentos. Tenho conhecido muitos jovens que se preparam para prestar o vestibular numa Faculdade de Artes e terão que se submeter às provas de conhecimento específico de desenho. Chegam para ter aulas de desenho comigo e ao me conhecerem contam-me que leram este livro na infância e que ainda têm em suas casas. Eles ficam muito surpresos e dizem:
-Naomy, que legal! Então é você que ilustrou o livro. Eu tenho esse livro "O Dedal da Vovó", desde pequenininho. Que máximo!

Outro dia fiquei sabendo, também através de um aluno, que viu este livro na biblioteca do ITACI- Instituto do Tratamento do Câncer Infantil do Hospital das Clínicas de São Paulo. Ao saber, fiquei emocionada e com esperança de que o livro possa fazer os momentos destas crianças guerreiras um pouco mais alegres.
Fico muito feliz e sinto um prazer enorme ao encontrar e ouvir os jovens que cresceram estudando e divertindo-se, na infância, com livros cujas ilustrações criei e soltei pela vida.

Fotografia do lança-
mento de livros na Livraria Nobel. (1986)
"Coleção
Escadinha" -Editora do Brasil. Dez livros, história de: Lúcia Pimentel Góes, Ilustrações:Naomy Kuroda, Programação Visual: Alice Góes.
Da esquerda para a direita:
Eu, Alice Góes e Lúcia Pimentel Góes.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Desejar ao outro o mesmo que se deseja para si.


A raposa e a cegonha viviam amigávelmente, juntamente com outros bichos, num grande bosque à beira de um lago.
Um certo dia, a raposa ouve uma conversa das cegonhas sobre as vantagens de possuir longos bicos vermelhos e resolve pregar uma peça. Convida gentilmente a cegonha para jantar em sua casa, prepara um delicioso jantar, mas serve em pratos rasos
que impedem a cegonha de desfrutar. A cegonha muito humilhada mas sem perder a pose retribui o convite e
marca um almoço onde ela prepara um maravilhoso quitute,
porém serve em jarros com pescoços altos e finos deixando a raposa apenas na vontade.
Fábula de Esopo. Com certeza todos já leram ou ouviram na infância. Histórias que são contados às crianças para que sejamos adultos íntegros, para que não façamos ao outro o que não queremos que façam para nós.
Mas... o tempo passa, a vida corrida e a sociedade competitiva absorvem o adulto de tal forma que histórias infantis ficam no esquecimento.
Há muitos anos atrás ouvi na salinha de descanso dos funcionários a seguinte conversa:
- Sabe a "A" , foi passar as férias em Bariloche! Ela disse que quer ver a neve. (risos) E eu tô torcendo para que não esteja nevando lá. (risos)
Aliás, eu vou ligar para uma agência de turismo para me informar se está nevando lá.
Aposto que quando ela voltar, mesmo que não tenha visto a neve vai contar para todos
que adorou ver a neve. E eu vou estar preparada para desmascará-la. (risos)
Era apenas uma conversa informal mas me recordo que quando ouvi lembrei-me da história da "A cegonha e a raposa". Por que as pessoas fazem ao outro o que não desejam para si?
Recentemente tive a oportunidade de ilustrar o livro " A cegonha e a raposa". Quando lí novamente a história, depois de muitos anos, comecei a fazer um exame de consciência, se de uma forma ou de outra, sem perceber, não estariamos agindo também como a raposa e a cegonha? Confesso, tenho mania de ficar me preocupando com os outros aconselhando para que faça check-up, coma melhor, separo artigos sobre saúde, educação, psicoterapia e fico distribuindo cuidando da vida alheia. Sou a "chata" da família. Mas... e quando estou me deliciando com quitutes e alguém me aconselha a moderar, lembrar sobre a existência da balança? Fico odiando o conselheiro. Pois é... por que fico tomando conta da vida alheia se não acho agradável que faça isso comigo. Não podemos descuidar. Uma volta à nossa infância, à nossa aprendizagem dos princípios éticos básicos que obtivemos na infância é sempre necessário.