Meu guarda-chuva chamava atenção.
Curiosamente sempre que o carregava comigo alguém fazia questão de tecer comentários sobre ele.
- Nossa! Que guarda-chuva bonito, elegante!
Era bonito sim, mas não estonteantemente bonito, sua cor pairava entre magenta e coral, poucas listas horizontais em marrom e creme completavam a sua estampa. Discreto, o cabinho (não sei qual é exatamente o nome desta parte do guarda-chuva) onde se segura era de madeira clarinha e o seu tecido de ótima qualidade, levemente acetinado de origem japonesa.
Para mim, mais do que a sua beleza, tinha uma lembrança afetiva. Eu havia presenteado à minha mãe e ela
o guardava com muito carinho. Acamada por tantos anos ela não tinha oportunidade de usá-lo, mas de tempos em tempos tirava da sua gaveta para contemplá-lo.
Um certo dia, não sei exatamente o que teria passado na sua cabeça, resolveu que iria me presentear o guarda-chuva. Aceitei pois compreendi que fazia com muito carinho. Depois que a minha mãe partiu, passaram-se anos até que eu tivesse a coragem de começar a utilizá-lo, transformar esta lembrança num utilitário.
Não, não era apenas um utilitário, quando o carregava comigo sentia que minha mãe me acompanhava. Mesmo assim, sempre me sentia vulnerável quando estava com ele como se um dia fosse perdê-lo. O que mais se perde, o que mais se esquece num dia chuvoso quando a chuva se vai? Guarda-chuvas. Então eu cuidava, me mantinha sempre alerta para que isto não ocorresse.
Todavia, não é possível estarmos atentos o tempo inteiro principalmente quando algo inesperado acontece na nossa rotina. É como se a vida fosse um vídeo game, precisamos estar ligadas, não devemos descuidar dos improvisos, das ciladas que testam a nossa atenção, a nossa distração. Fui pega! Nunca fui boa para jogos.
Era um dia normal, pouco cinzento, ameaçando chuva, porém o tempo fazia uma brincadeira de garoa, não garoa...
Querendo mostrar precaução já estava preparada com a minha proteção contra qualquer possibilidade de me molhar. Guarda-chuva firme e seguro sobre o braço caminhava sem nada pensar...até que... de repente lembrei-me que havia esquecido as chaves da sala para onde me dirigia! Não percebi, porém ali já seria o início do jogo. Quem iria ganhar o teste da atenção? A minha cabeça foi preenchida pela necessidade de resolver tal situação, afinal como entraria na sala? Teria alunos me aguardando. Hummm..., sou esperta, a dona da sala que mora a alguns quarteirões dali poderia me ajudar. Passaria lá para pegar as chaves emprestada. Telefonaria do meu telefone celular para avisá-la. Tomada pela situação o guarda-chuva sobre o braço ficara em segundo plano e enquanto eu telefonava distraída, ele resolveu me deixar, ficar por algum canto da rua sem que eu nada percebesse. Já muito longe, após caminhar por vários quarteirões notei a sua ausência. Entrei em pânico!
-Não! Cadê o meu guarda-chuva?!
Mesmo estando atrasada voltei correndo todo o meu trajeto, procurei por cada esquina, cada jardim, cada buraco das calçadas, perguntei aos transeuntes, aos porteiros dos prédios! Nada... não havia nem sombra dele... Alguém já deveria ter-se intitulado seu dono. Até hoje ao andar por esta rua tenho a sensação que ele estará lá em algum canto me esperando ou que alguém virá gentilmente me devolver. Por muitos dias fiquei pensando o que eu deveria aprender com este episódio, desapego às coisas materiais, falta de atenção...
Mas, afinal o que eu esperava dele, qual seria a minha expectativa ao tê-lo comigo? Garantia de uma lembrança emocional, um objeto que me proporcionaria uma fantástica viagem ao passado onde eu pudesse rever os momentos felizes? Não cheguei a nenhuma conclusão, contudo a única certeza é que mesmo sem o guarda-chuva perto de mim continuo me recordando perfeitamente do carinho da minha mãe, do seu sorriso ao presentear-me com ele e do quanto ela me amava.
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